Tendo acabado de re-escutar a semi-ópera "King Arthur", de Henry Purcell (1659-1695), numa belíssima prestação do agrupamento The English Concert, sob a direcção de Trevor Pinnock, perscrutei o Youtube em busca de um bom excerto para aqui exemplificar. Porém, fui apenas brindado com dezenas de interpretações "sofisticadas" da obra, incluindo realizações
pop da famosa aria do Génio do Frio, que mais não fazem do que suprimir a beleza da música, que assim alcança a mera vulgaridade.
Esta aria, que já inspirou bandas sonoras de filmes como "O Cozinheiro, o Ladrão, a sua Mulher e o Amante", de Peter Greenaway, é um bom exemplo da popularização a que muitas obras-primas musicais estão sujeitas, sendo recriadas de um modo
kitsch que está longe de enriquecer a cultura e sensibilidade dos ouvintes.
O fenómeno manifesta-se mais facilmente perante o imediatismo musical (porém genial) de algumas obras, como é o caso deste "King Arthur" em que, inclusive, ao nível da encenação em teatros de ópera, somos confrontados com versões em que o Génio do Frio se mascara de pinguim, balbuciando uns "p-p-p" ao jeito de um Papageno medíocre que nos afasta bastante dos propósitos da obra - questiono-me sobretudo acerca da razão pela qual grandes maestros, como é o caso de Nikolaus Harnoncourt, pactuam com esta realidade.
Estas interpretações vazias, contrastam, felizmente, com tantas outras de grande qualidade, como é o caso da imponente versão dirigida por Pinnock, ou da mística gravação proporcionada pelo já distante Alfred Deller.
Sou adepto da liberdade interpretativa e de uma divulgação musical abrangente das obras musicais, todavia isto faz-me pensar em todas as deturpações culturais a que diariamente estamos sujeitos, em que facilmente nos deliciamos com uns insípidos e maçadores Carmina Burana, de Orff, desgastados em publicidade a
after-shaves e que já ganharam, inclusive, o estatuto de "ópera" (?!), alimentando espectáculos megalómanos, onde a música é ouvida com o auxílio de altifalantes...
Para mais informações:
Henry PurcellKing Arthur (semi-ópera)
Trevor PinnockAlfred DellerCarl OrffCarmina Burana
2 comentários:
Compreendo a tua frustração, amigo.. Uma das explicações que posso apresentar é simples: é a atracção do vil metal... Outra razão é que existe uma tendência para se nivelar a cultura por baixo- em vez de se educar o público para a compreensão e fruição desta, reduzem-se os espectáculos a um nível baixo que não levante dúvidas, incertezas,vontade de conhecer mais...
é isso mesmo - dar ao público algo que ele já espera, sem surpresas e sem riscos.
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