quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Marcial

Muito agradeço à minha cara amiga Hortênsia, ter-me surpreendido ao dar-me a conhecer este fantástico autor de c. do ano 34, oriundo da Hispânia.


Filénis, mulher-homem, enraba putos

VII,67

Filénis, mulher-homem, enraba putos
e, mais ardente que macho entesado,
devora por dia onze raparigas.
De saia arregaçada, joga à bola,
coberta de pó, e com braço fácil
maneja halteres pesados para maricas.
Da palestra poeirenta sai enlameada,
e submete-se às pancadas e ao óleo do massagista.
Não janta, não se reclina junto à mesa
sem antes vomitar umas boas litradas,
e outro tanto se dispõe desde logo a beber
mal engole dúzia e meia de almôndegas.
Depois de tudo isto, quando volta ao deboche,
não brocha (acto que julga pouco viril),
mas põe-se a devorar o sexo às raparigas.
Possam os deuses, Filénis, restituir-te o juízo,
tu que achas próprio de homens lamber conas!


Apesar de teres colhões depilados...

IX,27

Apesar, ó Cresto, de teres colhões depilados,
um caralho que parece um pescoço de abutre,
uma cabeça mais lisa que cu de prostituta,
de não teres nas pernas o mais ligeiro pêlo,
de sempre aos lábios brancos aplicares a pinça,
falas constantemente em Cúrios e Camilos,
em Quíncios, Numas e Ancos, esses heróis cabeludos
de que os livros estão cheios, e com palavras duras
lanças ameaças e investes com teatros e modas!
Mas se acaso te surge à frente algum panasca
recém-saído das mãos do pedagogo,
cujo pénis já inchado o técnico soltou
logo o chamas e o levas, e quase tenho vergonha, ó Cresto,
de dizer o que faz essa língua de Catão!

Sem guarda à porta...

I,35

Sem guarda à porta, com os batentes escancarados, ó Lésbia,
é que te apraz fazer amor, acto que nunca escondes.
Dá-te mais gozo um espectador do que um amante,
e não te dão prazer os prazeres que se ocultam.
Até a meretriz se esconde, corre a cortina e fecha a porta,
e nem por uma greta se vislumbra o interior do prostíbulo.
Aprende a ter pudor ao menos com Quíone ou com Íade:
até um túmulo serve para esconder tão reles putas.
Acaso te parece excessiva a minha censura, Lésbia?
Acho bem que forniques, em público é que não!


Que sejam os meus versos pouco sérios

I,36

Que sejam os meus versos pouco sérios,
tais que o mestre os não pode ler na escola,
tu lamentas, Cornélio. Porém os meus livrinhos,
tal como às suas consortes os maridos,
não podem sem caralho dar prazer.
Como escrever lascivo canto nupcial
sem usar lascivos termos nupciais?
Quem com traje de jogos florais, às meretrizes
permite que tenham seriedade de matronas?
Estes ligeiros poemas a uma lei obedecem:
apenas dão prazer se forem excitantes.
Por isso dá ao demo a seriedade,
não condenes, te peço, as minhas brincadeiras,
e tira da ideia castrar os meus livrinhos.
Nada há mais torpe que um Priapo capado!

Como nunca te vi cercada de homens...

I,91

Como nunca te vi, ó Bassa, cercada de homens
e de nenhuma amante as más-linguas te acusavam,
e como à tua volta só havia donzelas
prontas ao teu serviço, mas de macho nem cheiro,
cheguei, confesso, a crer-te uma Lucrécia.
Mas afinal, Bassa, que horror! tu fodia-las todas,
tu ousavas fazer amor cona com cona,
quase parecias um homem, ó Venus monstruosa!
Forjaste um enigma digno da tebana esfinge:
como haver adultério onde não existe homem!



Se a coisa te não maça ou enfastia...

I,97

Se a coisa te não maça ou enfastia, escazonte
eu te peço, ao meu caro Materno estas breves palavras
diz ao ouvido, de modo que ele apenas oiça.
Aquele apreciador de capotes sombrios,
que se veste de lã e de trajes conzentos,
que chama aos que usam roupas vermelhas maricas
e acha os tecidos cor de ametista próprios de mulheres,
por mais que gabe as vestes simples, e sempre use
sombrias cores, é esverdeado nos costumes.
Por que o julgo invertido?, perguntarás tu.
Tomamos banho juntos: nunca olha para cima,
mas com olhos vorazes contempla os paneleiros
e cresce-lhe água na boca ao ver caralhos.
Queres saber quem é ele? Já me escapou o seu nome.

Tu depilas o peito...

II,62

Tu depilas o peito, as pernas e os braços,
à volta do caralho cortas o pêlo curto,
para agradar, Labieno (quem o ignora?) à tua amante.
Mas a quem queres tu agradar, Labieno, ao depilar o cu?

III,71

Dói o caralho ao teu escravo
E a ti, Névolo, o cu.
Mesmo sem ser adivinho
sei bem de que raça és tu!

Nunca disse que fosses panasca...

IV,43

Nunca disse, ó Coracino, que tu fosses panasca:
não sou tão temerário ou descarado
que me ponha a mentir sem mais aquelas!
Se eu disse, ó Coracino, que tu eras panasca,
que me destrua o frasco de veneno de Pôntia,
que me destrua o cálice de veneno de Metílio.
Juro-te pelos inchaços sírios,
Juro-te pelos furores berecíntios!
O que eu de facto disse, é coisa sem importância,
de todos conhecida, que nem tu mesmo negarás:
só disse que és, Coracino, um lambe-conas!


3 comentários:

Rustyboobz=Andrea disse...

Isto é que é a verdadeira crítica social lol Fantástico! APT

hortênsia disse...

Como dizia uma figura incontornável da minha formação, os clássicos disseram tudo, o resto veio por acréscimo. Não tenho uma visão tão redutora, mas engane-se quem pensar que as literaturas clássicas só disponibilizam textos filosóficos (já que costumo ver poesia e teatro clássicos sabiamente arrumados em Filosofia nas bibliotecas públicas!). Em Marcial sente-se o pulsar da Urbe, e espelha o melhor e o pior do género humano que vivia na cidade eterna daquele tempo. Será a sociedade actual assim tão diferente?

Oscula

jcbc disse...

A História muda, a sociedade repete-se.